terça-feira, 28 de julho de 2009

Sentimentos aprisionados

O que seria de um ser humano criado totalmente na ausência de outras pessoas? Como seria a personalidade e a essência de um indivíduo que nasce, cresce e envelhece numa redoma opaca sem ver seus semelhantes e isolado de sentimentos alheios?

Teria este ser sentimentos próprios? Desenvolveria sensorialmente o amor? A raiva? A angústia e o medo?

A troca de experiências interpessoais nos faz criar os mais diversos sentimentos? Definitivamente não!

Não criamos sentimentos, nós já os temos e eles estão prontos para serem despertados. Somos um projeto em constante construção. Como se fossemos uma grande caixa, cheio de pacotes embrulhados dentro.

Esses pacotes, na minha concepção, são parte de nossa essência. Somos como uma grande caixa de surpresas em que fomos presenteados por Deus com os mais diversos pacotes de emoções.

Ao contrário do que muitos pensam, não criamos pacotes de emoções dentro de nós, mas os temos desde nossa concepção. A vida e as nossas experiências fazem com que eles se desembrulhem e se revelem nos melhores ou piores sentimentos.

Somos complexos por natureza, podemos partilhar dos mesmos fatos e abrir pacotes de emoções diversos. Somos um misto de felicidade e dor, paixão e ódio.

Poderia então um medicamento criar uma redoma opaca? Poderiam medicamentos nos aprisionar em nossos próprios pacotes de emoções? Não sei! Apenas tento aprender com a vida, e a cada dia desembrulhar os pacotes ainda intactos na caixa de minha alma. Porém, certamente o eterno desembrulhar de pacotes é o que faz a vida ser única e inigualável para cada ser humano.

O que me faz não ter dúvida disto é, que, este ser, isolado desde sua concepção numa redoma opaca, certamente, abriria em especial o pacote que o faria padecer de solidão.
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domingo, 26 de julho de 2009

O lapso da vida e a hiprocrisia dos laços sanguíneos

Por vezes, temos a ilusão de que aqueles que nos conhecem mais, desde a tenra infância, são os mais preciosos entes queridos de nossa vida. Nascemos e crescemos na convivência dessas pessoas. Temos a impressão que são as pessoas mais íntimas, que o amor familiar é incondicional.

A vida como sempre, por mais que nós não a compreendamos, apronta as suas e nos mostra a mais crua realidade. Digo isto, pois ela não desperta somente dor e decepção, mas também nos surpreende com as mais fantásticas revelações de amizade e lições de vida.

Semana passada eu tive uma experiência, onde mais uma vez a vida, que na sua mais pura representatividade pode ser chamada de Deus, me fez abrir um campo deserto, ou quem sabe, adormecido em mim.

Tio Abel, esse nome para mim ficará marcado. Na verdade, era tio de meu pai, mas ficará para sempre marcado em minha vida.

Lembro-me do tio Abel em minha infância. Nunca tive um contato muito próximo, mas achava que ele tinha um sorriso bonito, alegre e sincero. Reflexo dos bons corações, cada vez mais difíceis de encontrar nos dias atuais.

Sempre que o encontrava eu era recebido com um sorriso bondoso. Seja para me alertar em não tocar na árvore de cactos de seu jardim, assim, me preservando dos dolorosos espinhos, seja para me repreender nas bagunças sem fim de minha infância.

Tio Abel se foi, e se foi aos poucos, foi acometido por uma doença cruel, que vagarosamente e sem chance de defesa lhe tirou seu brilho e seu sorriso.

Não gosto de funerais, velórios, mas tinha um comprometimento moral em seu funeral.

Muitos ali, não sabiam e provavelmente nunca saberão o porquê. Porém, foi o tio Abel que com largo conhecimento no Porto de Santos, ajudou meu pai em sua tenra juventude a conseguir o emprego que sustentou meu lar até os dias de hoje. E digo com todo orgulho, que se hoje, não provei a dor dos espinhos dos cactos e sou um homem formado, o tio Abel tem uma parcela de responsabilidade sobre isto.

Quis o destino, que em seu último dia entre nós, que eu fosse encarregado de carregar nos braços o seu corpo. Me coloquei entre seus filhos e netos, e segurei naquela alça, pela primeira vez em meus 27 anos e caminhei, sem ter coragem de olhar para ninguém, pois não aguentaria a emoção.
Estava selado naquele momento a minha última homenagem em agradecimento ao grande homem que, apesar do pouco contato, sempre teve grande influência na minha vida.

Neste mesmo dia, notei que os parentes próximos da infância, aqueles mesmos a que eu me referia no início, não têm tanta importância quanto pareciam. Alguns entraram e fingiram não me ver, outros se negaram a me cumprimentar, gesto único de educação até mesmo para com os estranhos.

Pessoas que não olham para suas próprias vida e falhas e que julgam e te condenam até mesmo em um momento delicado como aquele.

Sinceramente, não me importo. Meu pranto mais tarde, naquela noite, foi de ter de alguma forma agradecido e homenageado o tio Abel em mais uma lição do tempo e da vida. De alguma forma eu retribuí o carinho dispensado a mim.

A conduta dos fracos é sempre a de agressão. Em razão disto, por não se igualar com a tolice alheia, ainda sim, com algumas pessoas me levantei, cumprimentei, e com desprezo latente, retornei para meu banco, carregado do orgulho dos grandes e sabedoria interna dos íntegros
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A grata surpresa foi conhecer pessoas, com o qual eu não tinha contato e quase não conhecia. Me trataram como família de verdadeiros laços sanguíneos. Entre abraços, cumprimentos, sorrisos tão difíceis de se manifestar naquele momento. Porém, eram sinceros e fizeram-me sentir-se acolhido e no meio de gente que considero realmente minha FAMÍLIA.

Lembre sempre que família não se faz por laços sanguíneos próximos, mas sim de sentimentos próximos.

Obrigado Tio Abel, obrigado dona Ivone, Rogério e seus filhos Ikaro e Thamires. Obrigado Rosana e Roseli, Dona Cidinéia, Dona Iracema. E a você também Marcelo, não tenho dúvidas que a dor é enorme, que se suas perdas são irreparáveis, mas creio que no final, todos seremos felizes ao lado dos que partiram!
Meus sinceros sentimentos!